quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA E PROSPECÇÃO FITOQUÍMICA DA PLANTA Siparuna aff. cujabana (MONIMIACEAE)


IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA E PROSPECÇÃO FITOQUÍMICA DA PLANTA Siparuna aff. cujabana (MONIMIACEAE)


SCHETINGER, W. L.


Introdução:

O estudo das plantas medicinais está ligado à necessidade do ser humano de buscar alívio para dores e doenças. Desde os primórdios, buscou-se nas plantas, o recurso para ser usado na terapêutica.
Na América, diversos povos que aqui habitavam, sempre tiveram contato íntimo com o seu habitat natural permitindo o acúmulo de experiências e conhecimentos que eram repassados de geração em geração.
No Brasil, nos primeiros anos da colonização, as boticas representavam o sistema médico-farmacêutico da época. Este seria uma mescla de novos conhecimentos proveniente da ciência oficial européia com avanços ligados à química e terapias associadas ao conhecimento tradicional, caracterizado principalmente pelas plantas medicinais usadas pelos pajés (LORENZI, 2002).
A população indígena na época do descobrimento do Brasil era estimada entre 2 a 8 milhões de indivíduos e atualmente calcula-se que esteja em torno de 300 mil índios. (BRASIL 2006). Povos indígenas como Xavantes, Kraho, Guarani e muitos outros desenvolveram sistemas terapêutico-religiosos baseados em rituais com a utilização de plantas medicinais.
A “Medicina Herbal” foi criada, originada da experimentação da riqueza vegetal e cultural dos povos habitantes daqui e um modelo diferente de países como a China que desenvolveu a Medicina Tradicional Chinesa ou a Índia que criou a Medicina Ayurvédica.
Devido à biodiversidade do cerrado, há um enorme potencial terapêutico, que vem sendo estudado e desvendado (IORIS, 1999). Estudos estão sendo realizados no sentido de encontrar moléculas vegetais, que possam ser identificadas e transformadas em novos fármacos, para tratamento de doenças inflamatórias, infecto-contagiosas e degenerativas.
Neste contexto, as pesquisas com plantas tornam-se uma necessidade urgente. A ocupação do Cerrado ocorrida nas últimas 3 décadas, transformou o perfil da região e acelerou o processo de perda da biodiversidade. As cidades crescem desordenadamente e no campo o agro-negócio transformou as paisagens em cultivos químicos e mecanizados, favorecendo a perda do patrimônio genético.
O bioma cerrado compreende um amplo ecossistema com características terrestres regionais e fitofisionomias próprias. Apresenta uma ampla extensão e heterogeneidade abrigando uma enorme biodiversidade em torno de 5% do planeta, composta por pelo menos 6 mil espécies vegetais lenhosas e mais de 500 espécies de gramíneas, muitas destas espécies consideradas endêmicas, ou seja, espécies que só crescem na região dos cerrados (BRASIL 2003).
O potencial terapêutico medicinal do Cerrado é imenso e distribui-se em uma região cheia de contrastes. O estresse no qual as plantas são submetidas pelo excesso de sol e calor, pela ação do fogo, vento, altitude, solo deficiente de minerais e muitas vezes pedregosos, além do período de chuvas abundantes favorece o desenvolvimento de mecanismos de defesa. Estas substâncias são conhecidas como metabólitos secundários, que possuem características químicas que permitem o uso destas plantas como medicamento.
A grande variedade de metabólitos como alcalóides, taninos, flavonóides e outros, fornecem um arsenal terapêutico infinito. (IORIS, 1999).
Situada neste bioma encontra-se a cidade de Pirenópolis, que está localizada na região da serra dos Pireneus com altitude de 1.385 metros, no divisor continental de águas, das bacias dos rios Tocantins e Paraná, e possuindo duas nascentes importantes: a do Rio das Almas que corre para o norte e do Rio Corumbá que corre para o sul.
De acordo com Siqueira (2004), o Cerrado da serra dos Pireneus apresenta uma infinidade de plantas com propriedades diversas. Em sua lista preliminar destaca 76 plantas com características medicinais, frutíferas, ornamentais, tintorias e madereiras. Entre estas cita 2 espécies endêmicas da serra dos Pireneus, Trembleya neopyrenaica (Branca paixão) e Cissus albicans (Uvinha brava), ambas ameaçadas de extinção devido à ocorrência de pequenas populações. Além destas são citadas 4 espécies endêmicas do Cerrado que só ocorrem no estado de Goiás.
Como parte desta flora exuberante encontra-se a Siparuna sp. popularmente conhecida como negramina.
Trata-se de uma planta pertencente à família Monimiaceae. Amplamente usada pela medicina popular e indígena (MORAES, 2007), conhecida por suas propriedades medicinais e energéticas.
A negramina possui forte aroma semelhante ao limão, arbusto com até 3 metros de altura, folhas simples, membranácea, serrilhada nas bordas, porte arbustivo e com uma característica de predominância nos terrenos alagados ocorrendo nas veredas, próxima aos buritizais (LORENZI, 2002).
Fischer et al. (1997) e Taubert (1896) descrevem a espécie Mollinedia pyrenea a partir da coleta de Ule de número 31182, feita na cabeceira do rio das Pedras, na Serra dos Pireneus, em Goiás. A variedade grandiflora, descrita em 1898 por Perkins, é tratada como sinônimo da variedade pyrenea Perkins resultante de uma nova combinação de Mollinedia pyrenea Taub. Descrita anteriormente por Taubert (1896).
Por ser uma planta bastante utilizada pela população da região, torna-se relevante o estudo para avaliação de princípios ativos existentes na sua composição, favorecendo a busca de resultados científicos que justifique a sua utilização popular e como medicamento fitoterápico.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivos realizar a identificação botânica para verificação da correta espécie de Siparuna sp encontrada na Serra dos Pireneus e realizar a elucidação do perfil químico qualitativo, a fim de identificar os principais metabólitos secundários, possivelmente responsáveis pelo uso terapêutico da espécie.


Materiais e Métodos

A metodologia caracterizou-se por possuir dois aspectos: descritivo, apresentando a identificação botânica da espécie estudada para confirmar a variedade existente na região e qualitativo, baseado na identificação dos componentes da amostra, por meio da prospecção fitoquímica, seguindo a metodologia proposta por Costa (1982).
As etapas realizadas foram:
1. Coleta do material vegetal para montagem da exsicata visando identificação e posterior deposito no Herbário da UNB (HUNB).
2. Coleta das folhas para constituição da amostra.
3. Identificação botânica das exsicatas depositadas por comparação com as amostras do Herbário da UNB.
4. Preparação do material vegetal para estudo: secagem e moagem das folhas.
5. Prospecção fitoquímica e identificação de compostos ativos presentes na amostra segundo Costa (1982).



Resultados e discussão

No aspecto referente à identificação botânica, a amostra estudada neste trabalho, de acordo com a exsicata enviada ao HUNB, não se trata da Siparuna guianensis, em função do formato da folha e pela pilosodade. Assim a identificação feita por botânicos constatou como sendo Siparuna aff. cujabana (Mart.) DC.
A espécie Siparuna cujabana apresenta, de acordo com Jardim Botânico de Missouri, o seguinte taxon: divisão: Magnoliophyta, classe: Magnoliopsida, subclasse: Magnoliidae, ordem: Laurales Lindl., familia: Monimiaceae Juss. genero: Siparuna Aubl. espécie: Siparuna cujabana (Mart. ex Tul.) A. DC.
O Herbário do Museu Parisiensi, relata a espécie Siparuna tomentosa (Ruiz & Pavon) Perk., determinada por Renner, S. 1997. Outras determinações: Monimiaceae: Siparuna cujabana (Tulasne) A. DC. Det. : Hill, SR, 1973
BRASIL , Goiás, Corumbá de Goiás NW 20 km de Corumbá de Goiás, próximo ao Pico dos Pirineus., em denso matagal de galeria, a folhagem com cheiro limão, frutas vermelhas. O mesmo herbário também relata a ocorrência da Siparuna cujabana (Tulasne) A.DC. em Meia Ponte Goiás (antigo nome de Pirenópolis). Rio Vaga Fogo (Goyaz) Vaga Fogo perto do Rio Meia Ponte em 1894 Coleções Hometown: NY Monimiaceae. Estas informações comprovam a existência da Siparuna cujabana na Serra dos Pireneus, confirmando os dados levantados nesta pesquisa.
No que diz respeito à análise do perfil químico das folhas de Siparuna aff. Cujabana identificou-se a presença de metabólitos secundários de acordo com o quadro 1.






Quadro 1. Resultados da prospecção fitoquímica.

Metabólito Secundário Resultado
Alcalóides Positivo
Flavonóides Positivo
Antraquinonas Negativo
Cumarinas Positivo
Saponinas Negativo
Triterpenos e esteróides Negativo
Taninos Negativo
Resinas Negativo

Os compostos encontrados na amostra analisada foram os alcalóides, os flavonóides e as cumarinas. Segundo Simões (2000), os alcalóides são definidos como substâncias cíclicas nitrogenadas com amplo desempenho farmacológico, dentre estes, alcalóides quinolínicos são utilizados para o tratamento de malária.
Já os flavonóides são polifenóis com importantes ações farmacológicas descritas como: anticarcinogênico, antiinflamatório, antialérgico, antiviral, antiulcerogênico e outros. O último grupo encontrado, as cumarinas possuem atividades hepatoprotetoras, hiploglicemiantes, antifúngicas, antiinflamatórias e outras.
De acordo com Conceição (1980), na citação “mesmo na febre amarela tem sido usada com vantagem”, sugere que a planta teria indicações para tratamento de diversas moléstias, inclusive a febre amarela. A ocorrência do surto de febre amarela na cidade de Pirenópolis em janeiro de 2008, constituiu um momento oportuno para inicio dos estudos sobre esta planta.
De acordo com Lorenzi (2002); Conceição (1980); Campos (1991) e Fisher (1997), as propriedades medicinais relatadas para a negramina estão descritas no quadro 1.


Quadro 2. Principais indicações encontradas na literatura.

Espécie Pesquisada Propriedades Medicinais Indicações Terapêuticas
Siparuna sp. Digestiva, febrífugo
carminativo, cicatrizante,
tônica, estimulante
antiinflamatória
anti-reumática, hepática,
energéticas, hipotensivo,
abortivo, aromático, diurético, vulnerário. Diabetes, cólicas, engurgitamento do fígado, obesidade, edema, epidemias, febre amarela,
problemas de coluna, reumatismo, dores reumáticas, nevralgias, artrite
dor de cabeça, espasmo muscular, gripes, auxiliar do parto, epidemias.


Sendo assim, a presença de alcalóides, flavonóides e cumarinas sugere que as atividades farmacológicas descritas na literatura (quadro 2) e indicadas na medicina popular sejam de responsabilidade de tais compostos encontrados na prospecção fitoquímica.
Comparando-se S. aff. cujabana a espécie Siparuna apiosyce pesquisada por Valverde-Soares et al. (1996) estas assemelham-se pela presença de alcalóides do tipo benzilisoquinolínico, aporfínico N-metil-laurotetanina e oxoaporfínico, flavonóides derivado do kaempferol, ácidos graxos, triterpeno, esteróides estigmasterol e sitosterol.
As amostras pesquisadas por Valverde-Soares et al (1996), foram extraídas de sementes, frutos, casca do tronco, madeira e folhas.
Contudo, quanto à presença de triterpenos e esteróides, na amostra de S. aff. cujabana, não foi possível a comprovação deste resultado, por diferir das especificações determinadas para o procedimento de análise. Quanto à pesquisa de cumarinas, a visualização da cor amarela brilhante, em presença de luz UV, tornou-se evidente, apesar da subjetividade, em confirmar esta coloração.
Esta variação de resultados, quando comparada com a literatura existente, pode ser explicada através de duas hipóteses. A primeira caracteriza-se por possuir partes da planta diferentes, pois Valverde-Soares et al. (1996), pesquisaram a planta inteira e as amostras de S. aff. cujabana foram constituídos somente de folhas, as quais foram coletadas em três momentos, no período de julho a dezembro de 2008. Compondo portanto, uma amostra representativa.
A segunda hipótese da diferença de resultados esta ligada a variedade do gênero pesquisado. Pois, os autores acima pesquisaram amostras de Siparuna apiosyce e neste trabalho a espécie pesquisada foi identificada como S. aff. cujabana.




Considerações finais

De acordo com o estudo realizado observou-se que o gênero Siparuna apresenta um potencial terapêutico e medicamentoso que merece ser pesquisado. A realização da prospecção fitoquimica constituiu um mecanismo importante na definição do perfil químico da espécie Siparuna aff. cujabana bem como na diferenciação da espécie S. apyosice, pertencente ao mesmo gênero.
A presença de flavonóides, alcalóides e cumarinas permite nortear o desenvolvimento de pesquisas futuras no âmbito da farmacologia, a fim de investigar as indicações terapêuticas sugeridas pela medicina popular, bem como encontrar outras ações farmacológicas.
A presença de uma grande variedades de composto fitoquímicos associados em diferentes concentrações, e a diversidade de indicações medicinais encontradas na bibliografia e discutidas neste estudo, corroboram assim, a necessidade de mais pesquisas direcionadas à elucidação das substâncias e moléculas responsáveis pelo potencial farmacológico desta espécie.
Assim, a identificação correta da espécie constitui uma etapa de extrema importância para a pesquisa, bem como para o estabelecimento de parâmetros de controle de qualidade caso a espécie S. aff. cujabana seja explorada na produção de medicamentos fitoterápicos.


Referências bibliografia:

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Ioris, Edviges; Plantas medicinais do cerrado, perspectivas comunitárias para a saúde, meio ambiente e o meio sustentável. Fundação integrada municipal de ensino superior, Mineiros Go, 1999.

Lorenzi, H; Matos, Francisco J. A.. Plantas medicinais no Brasil nativas e exóticas: Nova Odessa SP: Instituto Plantarum de Estudos da Flora Ltda, 2002.

Moraes, Wesley Aragão de. As bases epistemológicas da medicina ampliada pela antroposofia: São Paulo: 2ª Ed. ABMA, Associação Brasileira de Medicina Antroposofica, 2007.

Oliveira, Fernando de. Akisue, Gokithi. Fundamentos de farmacobotânica: São Paulo: 2ª Ed. Editora Atheneu, 2005.

Simões, Claudia M. O.; Guerra, Miguel Pedro. [et al.]. Farmacognosia: da planta ao medicamento. 5ª Edição. Porto Alegre: Florianópolis: Editora da UFRG/UFSC, 2004.

Souza, Cynthia Domingues de; Felfili, Jeanine Maria. Uso de plantas medicinais na região de Alto Paraíso de Goiás, GO, Brasil: 2006, Versão eletrônica do artigo disponível em www.scielo.br/abb, acesso dia 18/10/2007.

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Siqueira, Josafá C.; Pirenópolis identidade cultural e biodiversidade: Rio de Janeiro: Editora Loyola, 2004.